A alma e os diferentes estados do sono
V
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O estudo do sono fornece-nos indicações de grande importância sobre a natureza da personalidade. Em geral não se aprofunda muito o mistério do sono. O exame atento desse fenômeno, o estudo da alma e da sua forma fluídica durante a parte da existência que consagramos ao descanso, conduzir-nos-ão a uma compreensão mais alta das condições do ser na vida do Além.
O sono possui não só propriedades restauradoras que a Ciência não pôs no devido relevo, mas também um poder de coordenação e centralização sobre o organismo material. Pode, além disso, acabamos de o ver, provocar uma ampliação considerável das percepções psíquicas, maior intensidade do raciocínio e da memória.
Que é então o sono?
É simplesmente o desprendimento da alma, que sai do corpo. Diz-se: o sono é irmão da morte. Essas palavras exprimem uma verdade profunda. Sequestrada na carne no estado de vigília, a alma recupera, durante o sono, a sua liberdade relativa, temporária, e ao mesmo tempo o uso dos seus poderes ocultos. A morte será a sua libertação completa, definitiva.
Já nos sonhos, vemos os sentidos da alma, esses sentidos psíquicos, dos quais os do corpo são a manifestação externa e amortecida, entrar em ação. * À medida que as percepções externas se enfraquecem e apagam, quando os olhos estão fechados e suspenso o ouvido, outros meios mais poderosos despertam nas profundezas do ser. Vemos e ouvimos com os sentidos internos. Imagens, formas, cenas à distância sucedem-se e desenrolam-se; travam-se conversas com pessoas vivas ou falecidas. Esse movimento, muitas vezes incoerente e confuso no sono natural, adquire precisão e aumenta com o desprendimento da alma no sono provocado, no transe de sonambulismo e no êxtase.
* - A visão ocular não é mais do que a manifestação externa da faculdade visual, que tem a sua expressão mais ampla na visão interna. A visão interior exterioriza-se e traduz-se pela ação dos sentidos, tanto na vida física como na vida psíquica. No primeiro caso, o órgão terminal pertence ao corpo material; no outro caso são os órgãos do corpo fluídico.
Às vezes, a alma afasta-se durante o descanso do corpo e são as impressões das suas viagens, os resultados das suas indagações, das suas observações, que se traduzem pelo sonho. Nesse estado, um laço fluídico ainda a liga ao organismo material e, por esse vínculo sutil, espécie de fio condutor, as impressões e as vontades da alma podem transmitir-se ao cérebro. É pelo mesmo processo que, nas outras formas do sono, a alma governa o seu invólucro terrestre, fiscaliza-o, dirige-o. Essa direção, no estado de vigília, durante a incorporação, exercita-se de dentro para fora; efetuar-se-á em sentido inverso nos diferentes estados de desprendimento. A alma, emancipada, continuará a influenciar o corpo mediante o laço fluídico que continuamente liga um à outra. Desde esse momento, no seu poder psíquico reconstituído, a alma exercerá sobre o organismo carnal uma direção mais eficaz e segura. A marcha dos sonâmbulos à noite, em lugares perigosos e com inteira segurança, é uma demonstração evidente desse fato.
Sucede o mesmo com a ação terapêutica provocada pela sugestão. Esta é eficaz, principalmente no sentido de facilitar o desprendimento da alma e dar-lhe o poder absoluto de fiscalização, a liberdade necessária para dirigir a força vital acumulada no perispírito e, por esse meio, restaurar as perdas sofridas pelo corpo físico. * Comprovamos esse fato nos casos de personalidade dupla. A segunda personalidade, mais completa, mais integral que a personalidade normal, substitui-a para um fim curativo, por meio de uma sugestão exterior, aceita e transformada em autossugestão pelo Espírito do sujet. Com efeito, este nunca abandona os seus direitos e poderes de fiscalização. Assim, como disse Myers, “não é a ordem do hipnotizador, mas antes a faculdade do paciente que forma o nó da questão”. **
O sábio professor de Cambridge disse mais: ***
* - O espírito exteriorizado pode tirar do organismo mais força vital do que o homem normal, o homem encarnado, pode obter. Experiências demonstraram que um espírito pode, através do organismo, exercer maior pressão num dinamômetro do que o espírito encarnado.
** - F. Myers - La Personnalité Humaine, pág. 204.
* * * - Idem, pág. 187.
“O fim único de todos os processos hipnogênicos é dar energia à vida; é alcançar mais rápida e completamente resultados que a vida abandonada a si mesma só realiza lentamente e de forma incompleta.”
Por outros termos, o hipnotismo é a aplicação, num grau mais intenso, das energias reparadoras que entram em jogo no sono natural. A sugestão terapêutica é a arte de libertar o Espírito do corpo, de abrir-lhe uma saída pelo sono e permitir-lhe que exerça com plenitude os seus poderes sobre o corpo doente. As pessoas sugestionáveis são aquelas cujas almas indolentes ou que pouco têm evolvido não estão aptas para desprenderem-se por si mesmas e agir utilmente no sono ordinário para restaurar as perdas do organismo.
A sugestão em si mesma não é, pois, mais do que um pensamento, um ato da vontade, diferindo somente da vontade ordinária por sua concentração e intensidade. Em geral, os nossos pensamentos são múltiplos e hesitantes. Nascem e passam ou, então, quando coexistam em nós, chocam-se e confundem-se. Na sugestão, o pensamento e a vontade fixam-se num ponto único. Ganham em poder o que perdem em extensão. Por sua ação, que se torna mais penetrante, mais incisiva, provocam no sujet o despertar de faculdades não utilizadas no estado normal. A sugestão torna-se, então, uma espécie de impulso, de alavanca que mobiliza a força vital e dirige-a para o ponto onde ela tem de operar.
A sugestão pode exercer-se tanto na ordem física, por uma influência direta sobre o sistema nervoso, quanto na ordem moral, sobre o “eu” central e a consciência do sujet. Bem empregada, constitui ela um meio muito apreciável de educação, destruindo as tendências ruins e os hábitos perniciosos. A sua influência sobre o caráter produz, então, os mais felizes resultados. *
* - Em resumo, os frutos que a sugestão hipnótica pode e deve proporcionar e em vista dos quais se deve aplicar, são estes: concentração do pensamento e da vontade; aumento de energia e vitalidade; atenção fixa em coisas essencialmente úteis; alargamento do campo da memória; manifestação de sentidos novos por meio de impulsões internas ou externas.
Voltemos ao sono ordinário e ao sonho. Enquanto o desprendimento da alma é incompleto, as sensações, as preocupações da vigília e as recordações do passado misturam-se com as impressões da noite. As percepções registradas pelo cérebro desenrolam-se automaticamente, em desordem aparente, quando a atenção da alma está desviada do corpo e deixa de regular as vibrações cerebrais. Daí a incoerência da maior parte dos sonhos; mas, à medida que a alma se desprende e se eleva, a ação dos sentidos psíquicos torna-se predominante e os sonhos adquirem lucidez e nitidez notáveis. Clareiras cada vez mais largas, vastas perspectivas abrem-se no mundo espiritual, verdadeiro domínio da alma e lugar do seu destino. Nesse estado ela pode penetrar as coisas ocultas e até os pensamentos e os sentimentos de outros Espíritos. *
* - Segundo os antigos, existem duas espécies de sonhos: o sonho propriamente dito, em grego, “onar”, é de origem física, e o sonho “repar”, de origem psíquica. Encontra-se essa distinção em Homero, que representa a tradição popular, assim como em Hipócrates, que é representante da tradição científica. Muitos ocultistas modernos adotaram definições análogas. Em tese geral, segundo eles dizem, o sonho propriamente dito seria um sonho produzido mecanicamente pelo organismo, e o sonho psíquico um produto da clarividência adivinhadora; ilusório um, verídico o outro. Porém, às vezes, é muito difícil estabelecer uma limitação nítida e distinta entre essas duas classes de fenômenos.
Há em nós uma dupla vista, pela qual pertencemos, ao mesmo tempo, a dois mundos, a dois planos de existência. Uma está em relação com o tempo e o espaço, como nós os concebemos em nosso meio planetário com os sentidos do corpo: é a vida material; a outra, mediante os sentidos profundos e as faculdades da alma, liga-nos ao universo espiritual e aos mundos infinitos. No decurso da nossa existência terrestre, é principalmente quando dormimos que essas faculdades podem exercer-se e entrar em vibração as potências da alma. Esta torna a pôr-se em contacto com o universo invisível, que é a sua pátria e do qual estava separada pela carne. Retempera-se no seio das energias eternas para continuar, quando desperta, a sua tarefa penosa e obscura.
Durante o sono a alma pode, segundo as necessidades do momento, aplicar-se a reparar as perdas vitais causadas pelo trabalho cotidiano e regenerar o organismo adormecido, infundindo-lhe as forças tiradas do mundo cósmico, ou, quando está acabado esse movimento reparador, continuar o curso da sua vida superior, pairar sobre a Natureza, exercer as suas faculdades de visão à distância e penetração das coisas. Nesse estado de atividade independente vive já antecipadamente a vida livre do Espírito; porque essa vida, que é uma continuação natural da existência planetária, espera-a depois da morte, devendo a alma prepará-la não somente com as suas obras terrestres, mas também com as suas ocupações quando desprendida durante o sono. É graças ao reflexo da luz do Alto, que cintila em nossos sonhos e ilumina completamente o lado oculto do destino, que podemos entrever as condições do ser no Além.
Se nos fosse possível abranger com o olhar toda a extensão de nossa existência, reconheceríamos que o estado de vigília está longe de constituir-lhe a fase essencial, o elemento mais importante. As almas que de nós cuidam servem-se do nosso sono para exercitar-nos na vida fluídica e no desenvolvimento dos nossos sentidos de intuição. Efetua-se, então, um trabalho completo de iniciação para os homens ávidos de se elevarem.
Os vestígios desse trabalho encontram-se nos sonhos. Assim, quando voamos, quando deslizamos com rapidez pela superfície do solo, significa isso a sensação do corpo fluídico, ensaiando-se para a vida superior.
Sonhar que subimos sem cansaço, com facilidade surpreendente, através do espaço, sem embaraço nem medo, ou então que estamos pairando por cima das águas; atravessar paredes e outros obstáculos materiais sem ficarmos admirados de praticar atos que são impossíveis enquanto estamos acordados, não é a prova de que nos tornamos fluídicos pelo desprendimento? Tais sensações, tais imagens, que comportam completa inversão das leis físicas que regem a vida comum, não poderiam vir ao nosso espírito, se não fossem o resultado de uma transformação do nosso modo de existência.
Na realidade, já não se trata aqui de sonhos, mas de ações reais praticadas em outro domínio da sensação e cuja lembrança se insinuou na memória cerebral. Essas lembranças e impressões no-lo demonstram bem.
Possuímos dois corpos, e a alma, sede da consciência, fica ligada ao seu invólucro sutil, enquanto o corpo material está deitado e em completa inércia.
Apontemos, todavia, uma dificuldade. Quanto mais a alma se afasta do corpo e penetra nas regiões etéreas, tanto mais fraco é o laço que os une, tanto mais vaga a lembrança ao acordar. A alma paira muito longe na imensidade e o cérebro deixa de registrar as suas sensações. Daí resulta não podermos analisar os nossos mais belos sonhos. Algumas vezes, a última das impressões sentidas no decurso dessas peregrinações noturnas subsiste ao despertar.
E se, nesse momento, tivermos o cuidado de fixá-la fortemente na memória, pode ficar lá gravada. Tive, uma noite, a sensação de vibrações percebidas no espaço, as últimas notas de uma melodia suave e penetrante, e a lembrança das derradeiras palavras de um cântico que findava assim: “Há céus inumeráveis!”
Às vezes sentimos, ao acordar, a vaga impressão de poderosas coisas entrevistas, sem nenhuma lembrança determinada. Essa espécie de intuição, resultante de percepções registradas na consciência profunda, mas não na consciência cerebral, persiste em nós durante certo tempo e influencia os nossos atos. Outras vezes, essas impressões traduzem-se nitidamente no sonho. Eis o que a respeito diz Myers: *
* - F. Myers - La Personnalité Humaine, pág. 117.
“O resultado permanente de um sonho é muitas vezes de tal ordem que nos mostra claramente que o sonho não é o efeito de uma simples confusão com lembranças avivadas da vida passada, mas que possui um poder inexplicável que lhe é próprio e que ele tira, semelhante nisso à sugestão hipnótica, das profundezas da nossa existência, a que a vida de vigília é incapaz de chegar. Desse gênero, dois grupos de casos existem que, pela clareza com que se patenteiam, facilmente podem ser reconhecidos; um deles, principalmente, em que o sonho acabou por uma transformação religiosa decidida, e o outro em que o sonho foi o ponto de partida de uma idéia obsidente ou de um acesso de verdadeira loucura.”
Esses fenômenos poderiam explicar-se pela comunicação, no sonho, da consciência superior com a consciência normal, ou pela intervenção de alguma Inteligência elevada que julga, reprova, condena o proceder do sonhador, ocasionando-lhe perturbação e um salutar receio. A obsessão pode também exercer-se por meio do sonho até a ponto de causar perturbação mental ao despertar. Terá como autores Espíritos malfazejos, a quem o nosso procedimento no passado e os danos que lhes causamos deram domínio sobre nós.
Insistimos também na propriedade misteriosa que tem o sono de fazer-nos senhores, em certos casos, de camadas mais extensas da memória.
A memória normal é precária e restrita, não vai além do círculo estreito da vida presente, do conjunto dos fatos, cujo conhecimento é indispensável por causa do papel que se tem de desempenhar na Terra e do fim que se deve alcançar. A memória profunda abrange toda a história do ser desde a sua origem, os seus estádios sucessivos, os seus modos de existência, planetários ou celestes. Um passado inteiro, feito de recordações e sensações, esquecido, ignorado no estado de vigília, está gravado em nós. Esse passado só desperta quando o Espírito se exterioriza durante o sono natural ou provocado. Uma regra conhecida de todos os experimentadores é que, nos diferentes estados do sono, à medida que se vai ficando a maior distância do estado de vigília e da memória normal, tanto mais a hipnose é profunda, tanto mais se acentua a expansão, a dilatação da memória. Myers confirma o fato nos seguintes termos: *
* - F. Myers - La Personnalité Humaine, págs. 121 e 122.
“A memória mais distanciada da vida de vigília é a que mais vasto alcance tem, é a que mais profundo poder exerce sobre as impressões acumuladas no organismo. Por mais inexplicável que esse fenômeno se tenha apresentado aos observadores, que com ele depararam sem possuírem a decifração do enigma, é certo que as observações independentes de centenas de médicos e de hipnotizadores atestam a sua realidade. O exemplo mais comum é fornecido pelo sono hipnótico ordinário. O grau de inteligência que se manifesta no sono varia segundo os sujets e as épocas; mas todas as vezes que esse grau é suficiente para autorizar um juízo, achamos que existe durante o sono hipnótico a memória considerável, que não é necessariamente uma memória completa ou razoável do estado de vigília; ao passo que na maior parte dos sujets acordados, salvo o caso de uma injunção especial dirigida ao “eu” hipnótico, nenhuma lembrança existe que se relacione com o estado de sono.
O sono ordinário pode ser considerado como ocupando uma posição que está entre a vida acordada e o sono hipnótico profundo; e parece provável que a memória pertencente ao sono ordinário se liga, por um lado, à que pertence à vida de vigília e, pelo outro, à que existe no sono hipnótico. Realmente assim é, estando os fragmentos da memória do sono ordinário intercalados nas duas cadeias.”
Myers, em apoio às suas palavras, cita * vários casos em que fatos retrospectivos esquecidos, e outros dos quais o que dorme nunca teve conhecimento, se revelam no sonho.
* - F. Myers - La Personnalité Humaine, págs. 123 e 124.
As experiências a que se refere Myers (vê-las-emos quando tratarmos da questão das reencarnações) foram levadas muito mais longe do que ele o previa, e as consequências que daí provêm são imensas. Não só tem sido possível, pela sugestão hipnótica, reconstituir as menores recordações da vida atual, desaparecidas da memória normal dos sujets, mas também reatar o encadeamento das suas vidas passadas, já interrompido.
Ao mesmo tempo em que uma memória mais vasta e mais rica, vemos aparecer no sono faculdades que são muito superiores a todas as que desfrutamos no estado de vigília. Problemas estudados em vão, abandonados como insolúveis, são resolvidos no sonho ou no sonambulismo; obras geniais, operações estéticas da ordem mais elevada, poemas, sinfonias e hinos fúnebres são concebidos e executados. Há em tudo isso uma obra exclusiva do “eu” superior ou a colaboração de entidades espirituais que vêm inspirar os nossos trabalhos? É provável que esses dois fatores intervenham nos fenômenos dessa ordem.
Myers cita o caso de Agassiz descobrindo, enquanto dormia, o arranjo esquelético de ossadas dispersas que ele tentara, por várias vezes e sem resultado, acertar durante a vigília.
Lembraremos os casos de Voltaire, La Fontaine, Coleridge, S. Bach, Tartini etc., executando obras importantes em condições análogas. *
* - Ver No Invisível, cap. XII.
Finalmente, importa mencionar uma forma de sonhos cuja explicação escapou até agora à Ciência. São os sonhos premonitórios, complexo de imagens e visões que se referem a acontecimentos futuros e cuja exatidão é ulteriormente verificada. Parecem indicar que a alma tem o poder de penetrar o futuro ou que este lhe é revelado por inteligências superiores.
Assinalemos o sonho da Duquesa de Hamilton, que viu com antecipação de quinze dias a morte do Conde de L... com particularidades de natureza íntima que acompanharam esse acontecimento. *
* - Proceedings, S.P.R., XI, pág. 505.
Um fato da mesma natureza foi publicado pelo Progressive Thinker de Chicago, a 1. ° de novembro de 1913. Um magistrado de Hauser, M. Reed, morreu imediatamente, em consequência de uma guinada do automóvel em que viajava. Seu filho, de 10 anos de idade, tinha tido, por duas vezes seguidas, a visão dessa catástrofe em todos os seus pormenores. Apesar dos avisos e das súplicas de sua mulher, M. Reed achou que não devia renunciar ao projetado passeio, em que veio a encontrar a morte, nas circunstâncias idênticas às percebidas no sonho da criança.
M. Henri de Parville, no seu folhetim científico do Journal des Débats (maio de 1904) refere um, caso afiançado por testemunhos dignos de fé:
“Uma senhora, cujo marido desapareceu sem deixar vestígios e que ela não pôde descobrir apesar de todas as pesquisas a que procedeu, teve um sonho. Um cãozinho, que por muito tempo havia vivido na sua companhia, mas que o marido levara, aparece-lhe, dá latidos de alegria e cobre-a de carícias. Instalasse-lhe ao pé, não tira os olhos dela; depois, passado um momento, levanta-se e começa a arranhar a porta. Está feita a sua visita e precisa ir-se embora. Ela abre-lhe a porta e, no sonho, segue o animal, que se afasta, correndo; corre também atrás dele e, passado algum tempo, o vê entrar numa casa, cujo andar térreo é ocupado por um café. A rua, a casa e o bairro gravam-se lhe na memória, que conserva a recordação de tudo isso depois de acordada. Preocupada com esse sonho, conta-o a três pessoas da vizinhança, que depois deram testemunho da autenticidade dos fatos. Decide-se, finalmente, a seguir a pista do cão e encontra o marido na rua e na casa que vira em sonho.”
Os Annales des Sciences Psychiques, de julho de 1905, citava dois sonhos premonitórios acompanhados de circunstâncias que lhe dão caráter muito comovente.
Finalmente, achamos na Revue de Psychologie de la Suisse Romande, 1905, pág. 379, o caso de um mancebo que se via muitas vezes a si mesmo numa alucinação autoscopica, precipitado do cimo de um rochedo e estendido, ensanguentado e contundido, no fundo de um barranco. Essa premonição fatal realizou-se, ponto por ponto, a 10 de julho de 1904, no monte du Salève, perto de Genebra.
*
À proporção que nós vamos elevando na ordem dos fenômenos psíquicos, vão-se eles apresentando com maior clareza, com maior rigor e trazem-nos provas mais decisivas da independência e da sobrevivência do Espírito.
As percepções da alma no sono são de duas espécies. Verificamos primeiramente a visão à distância, a clarividência, a lucidez; vem depois um conjunto de fenômenos designados pelos nomes de telepatia e telestesia (sensações e simpatias à distância). Compreende a recepção e transmissão dos pensamentos, das sensações, dos impulsos motrizes. Com esses fatos relacionam-se os casos de desdobramentos e aparições designados pelos nomes de fantasmas dos vivos. A psicologia oficial teve de verificar esses casos em grande número, sem os explicar. * Todos esses fatos ligam-se entre si e formam uma cadeia contínua. Em princípio, constituem, no fundo, um só e mesmo fenômeno, variável na forma e intensidade, isto é, o desprendimento gradual da alma. Vamos seguir esse desprendimento nas suas diversas fases, desde o despertar dos sentidos psíquicos e das suas manifestações em todos os graus até a projeção, à distância, de todo o Espírito, alma e corpo fluídico.
* - Ver Proceedings da Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres.
Examinemos primeiramente os casos em que a visão psíquica se exerce com agudeza notável. Citamos alguns nas nossas obras precedentes. Aqui apresentamos um, mais recente, publicado por toda a imprensa londrina.
O desaparecimento da Srta. Holland, processo criminal que apaixonou a Inglaterra, foi explicado por um sonho. A polícia a procurava inutilmente. O acusado, Samuel Douglas, que estava para ser solto, pretendia que ela havia partido para destino desconhecido. Os jornais de Londres publicaram desenhos que representavam a casa em que morava a Srta. Holland e o jardim da mesma casa. Uma criada viu a gravura e exclamou: “Aí está o meu sonho!”, e indicou um lugar, ao pé de uma árvore, dizendo: “Está ali um cadáver!” Soube-o a polícia e, na presença dos agentes, ela confirmou as suas declarações. Explicou que vira em sonho esse jardim e, no solo, no lugar indicado, um corpo enterrado. A polícia mandou escavar o terreno nesse lugar e nele foi encontrado o cadáver da Srta. Holland. Ficou provado que a criada nunca conhecera essa pessoa nem pusera os pés nesse jardim.
C. Flammarion, na sua obra O Desconhecido e os Problemas Psíquicos, menciona uma série completa de visões diretas, à distância, durante o sono, resultante de um inquérito feito na França sobre os fenômenos dessa ordem.
Vamos referir um caso mais complicado. Os Annales des Sciences Psychiques, de Paris, setembro de 1905 (pág. 551), contêm a relação circunstanciada e autenticada pelas autoridades legais de Castel di Sangro (Itália), de um sonho macabro, coletivo e verídico
“O guarda rural do Barão Raphaël Corrado viu em sonho, na noite de 3 de março último, seu pai, falecido havia dez anos. Exprobrou-lhe, a ele, aos irmãos e irmãs, o terem-no esquecido e, coisa mais grave, deixarem os seus pobres ossos desenterrados pelos coveiros, abandonados sobre a neve, por trás da torre do cemitério, à mercê dos lobos. A irmã do guarda sonhou exatamente a mesma coisa, e o irmão, muito impressionado, pegou na espingarda e, não obstante a tempestade de neve que atormentava a região, dirigiu-se para o cemitério, sito num monte que dominava a cidade. Aí, por trás da torre, entre as silvas e por cima da neve, em que havia sinais de patas de lobo, viu ossos humanos.”
Os Annales dão depois a narrativa circunstanciada do inquérito e das pesquisas feitas pelo juiz de paz. Estabelecem que os ossos eram, na realidade, os do pai do guarda, que os coveiros, terminado o prazo legal, haviam exumado. Iam eles transportá-los para o ossuário, à noitinha, quando o frio e a neve os obrigaram a deixar o serviço para o dia seguinte. Os documentos relativos a esse caso, que foi objeto de um processo, estão assinados pelo tabelião, pelo juiz de paz e pelo síndico da localidade. Foram publicadas pelo Eco del Sangro, de 15 de março de 1905.
O Prof. Newbold, da Universidade da Pensilvânia, relata nos Proceedings of S. P. R., XII, pág. 11, vários exemplos de sonhos, que indicam uma grande atividade da alma durante o sono e dão ensinamentos que vêm do mundo invisível. Entre outros, citaremos o do Dr. Hilprecht, professor de língua assíria na mesma Universidade, que num sonho teve a revelação de uma inscrição antiga, que até então não havia descoberto. Num sonho mais complexo, em que intervém um sacerdote dos antigos templos de Nippur, dele recebeu a explicação de um enigma de difícil decifração. Foram reconhecidas como exatas todas as particularidades desse sonho. As indicações do sacerdote versavam sobre pontos de Arqueologia completamente desconhecidos dos seres que vivem na Terra.
Convém notar que em todos esses fatos o corpo do percipiente está em repouso e os seus órgãos físicos estão adormecidos; mas, nele o ser psíquico continua em vigília, em atividade; vê, ouve e comunica, sem o auxílio da palavra, com outros seres semelhantes, isto é, com outras almas.
Esse fenômeno tem caráter geral e dá-se em cada um de nós. Na transição da vigília para o sono, exatamente quando os nossos meios ordinários de comunicação com o mundo exterior estão suspensos, abrem-se em nós novas saídas para a Natureza e por elas escapa-se uma irradiação mais intensa da nossa visão. Já nisso vemos revelar-se uma nova forma de vida, a vida psíquica, que vai amplificar-se nos outros fenômenos dos quais nós vamos ocupar, provando que existem para o ser humano modos de percepção e de manifestação muito diferentes do dos sentidos materiais.
Depois dos fenômenos de visão no sono natural, vamos apresentar um caso de clarividência no sono provocado.
O Dr. Maxwell, advogado geral no Supremo Tribunal de Bordéus, provoca na Sra. Agullana, sujet muito sensível, o sono magnético. Ela desprende-se, exterioriza-se, afasta-se em espírito da sua morada. O Dr. Maxwell manda-lhe observar, a certa distância, o que está fazendo um seu amigo M. B... Eram 10:20 da noite. Damos a palavra ao experimentador: *
* - J. Maxwell - Les Phénomènes Psychiques, pág. 173, F. Alcan, Paris, 1903.
“A médium, com grande surpresa nossa, disse-nos que estava vendo M. B..., meio despido, a passear descalço sobre pedra. Pareceu-me que isso não tinha sentido algum. No dia seguinte ofereceu sê-me ensejo de ver o meu amigo. Mostrou-se muito admirado com o que lhe contei e disse-me textualmente: “Ontem, à noite, não me senti bem. Um amigo meu, M. S..., que mora comigo, aconselhou-me que experimentasse o sistema Kneip e instou tanto que, para satisfazê-lo, fiz pela primeira vez, ontem, à noite, a experiência de passear descalço na pedra fria. Estava efetivamente meio despido quando a fiz. Eram 10 horas e 20 minutos e passeei durante algum tempo nos degraus da escada, que é de pedra.”
Os casos de clarividência no estado de sonambulismo são numerosos. Vêm relatados em todas as obras e revistas que se ocupam especialmente desses assuntos.
A Médecine Française, de 16 de abril de 1906, refere um fato de clarividência relativo às minas de Courrières. A Sra. Berthe, a vidente consultada, descreveu com exatidão um desabamento na mina e as torturas impostas aos sobreviventes, cuja morte ou libertação ela anunciou.
Ajuntemos dois exemplos recentes:
“O Sr. Louis Cadiou, diretor da Usina de la Grand-Palud, perto de Landerneau (Finistère), tendo desaparecido em fins de dezembro de 1913, não se lhe podiam descobrir os traços, apesar das buscas minuciosas. Das sondagens efetuadas na ribeira do rio Elorn nenhum resultado adveio. Uma vidente, moradora em Nancy, a Sra. Camille Hoffmann, tendo sido consultada, declarou, em estado de sono magnético, que o cadáver seria encontrado na orla de um bosque vizinho à usina, oculto sob ligeira camada de terra.
Por essas indicações, o irmão da vítima descobriu, depois, o corpo em uma situação idêntica à que a vidente tinha descrito.
Todos os jornais, entre outros o Le Matin, de 5 de fevereiro de 1914, relatam pormenorizadamente o caso Cadiou, que toda a França acompanhou com apaixonado interesse.
Alguns dias depois, produziu-se fenômeno análogo. Havendo-se afogado no Saóne, perto de Màcon, um jovem chamado Charles Chapeland, seu irmão recorreu à Sra. Camille Hoffmann para encontrar o cadáver. Ela assegurou que ele seria lançado pelas águas, 60 dias depois do acidente, perto da portagem de Cormoranche, o que se realizou exatamente.” *
* - Ver Le Matin, de 23 de fevereiro de 1914.
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